Como é a proteção legal da figura do companheiro em casos de inventário
Vamos direto ao ponto: se você vive em união estável e nunca parou para pensar nos direitos sucessórios do seu companheiro, precisa urgentemente ler este artigo. Como advocacia especialista em inventário há mais de duas décadas, já vi muita gente perdendo fortunas por desconhecer mudanças fundamentais na lei.
A sucessão do companheiro sempre foi o “patinho feio” do Direito das Sucessões brasileiro. Imagine só: antes de 2017, se você morresse, seu companheiro ficaria numa fila atrás até dos seus primos distantes para receber herança. Parece piada, mas era realidade jurídica.
Felizmente, o Supremo Tribunal Federal acordou para a vida e mudou tudo. Hoje, com a orientação correta de uma advocacia especialista em inventário, seu companheiro tem os mesmos direitos de um cônjuge. Mas calma, que a coisa é mais complexa do que parece.
A Revolução de 2017: Quando o STF Decidiu Fazer Justiça
O Antes: Leis 8.971/1994 e 9.278/1996
Nos anos 90, o legislador brasileiro fez um “meio gol” ao reconhecer direitos sucessórios para companheiros. Era melhor que nada, mas colocava o convivente em terceiro lugar na fila da herança – depois de filhos e pais, mas antes dos colaterais (irmãos, tios, primos).
Como dizia o saudoso professor Flávio Tartuce, essas leis “concederam direito de usufruto idêntico ao do cônjuge sobrevivente, previram a meação quanto aos bens da herança adquiridos com sua colaboração e chegaram até mesmo a outorgar direito real de habitação”. Ou seja: o básico para não deixar ninguém na rua.
O Pesadelo: Código Civil de 2002
Aí veio 2002 e o novo Código Civil conseguiu piorar tudo. O famoso artigo 1.790 foi um verdadeiro tiro no pé: limitou a herança do companheiro apenas aos bens adquiridos durante a união estável, ainda por cima exigindo que ele concorresse com descendentes, ascendentes E colaterais.
Para você ter uma ideia da injustiça: se uma pessoa casada morresse, a esposa herdava junto com os filhos. Se uma pessoa em união estável morresse, a companheira teria que dividir não só com os filhos, mas também disputar com os irmãos do falecido. Uma bagunça sem tamanho. Olha só:
Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694)
I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.
A Virada: STF RE 878.694/MG (Maio 2017)
Em 10 de maio de 2017, o STF finalmente disse chega. No julgamento do RE 878.694/MG, os ministros declararam inconstitucional essa diferenciação absurda entre cônjuge e companheiro.
O ministro Luís Roberto Barroso foi certeiro no voto: “não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo casamento e a formada por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares é incompatível com a Constituição.”
Resultado prático: desde 2017, qualquer advogado especialista em inventário sabe que deve aplicar o artigo 1.829 (regra dos cônjuges) também para companheiros. O artigo 1.790 virou papel de embrulhar peixe.
Companheiro é Herdeiro Necessário? A Pergunta de R$ 1 Milhão
Depois da decisão do STF, surgiu uma dúvida cruel: o companheiro passou a ser herdeiro necessário (como filhos, pais e cônjuges) ou continua sendo apenas herdeiro legítimo?
A diferença é gigantesca na prática:
- Herdeiro necessário: tem direito garantido a 50% de toda herança (a “legítima”), independente de testamento
- Herdeiro legítimo: pode perder tudo se existir testamento válido
Em 2021, o Superior Tribunal de Justiça deu a resposta no REsp 1.982.343/SC: “a figura do companheiro já é considerada como herdeiro necessário, em atendimento à equiparação ao cônjuge para fins sucessórios”.
Traduzindo: seu companheiro tem direito garantido a pelo menos metade de seus bens, mesmo que você faça testamento doando tudo para caridade.
Meação vs. Herança: A Confusão que Custa Caro
Aqui mora um dos maiores equívocos que vejo no dia a dia da advocacia especialista em inventário: confundir meação com herança.
Meação é a metade dos bens que já pertencia ao companheiro sobrevivente durante a vida do casal (por conta do regime de comunhão parcial de bens). Herança é o que ele recebe como sucessor.
Exemplo prático: João e Maria viveram 20 anos em união estável (comunhão parcial de bens) e tiveram um filho. Compraram juntos uma casa de R$ 400 mil e João tinha mais R$ 100 mil de um terreno, comprado antes do início da união estável. Quando João morreu:
- Meação de Maria: R$ 200 mil (metade da casa que já era de Maria, que foi comprada com esforço comum)
- Valor da Herança de João: R$ 300 mil (metade da casa mais total do terreno)
- Herança de Maria: Ela recebe metade do terreno, mas não recebe nada da casa porque já tinha meação (artigo 1.829, I) – R$ 50.000
- Herança do filho: Ele recebe metade do terreno e a totalidade da meação de João na casa – R$ 50.000,00 + 200.000,00 = R$ 250.000,00
Moral da história: Neste exemplo mãe e filho ficaram com o mesmo montante cada um.
Regimes de Bens: O Detalhe que Muda Tudo
Desde 2002, o artigo 1.725 permite que companheiros escolham regime de bens diferente do padrão (comunhão parcial), através de contrato escrito.
Os regimes possíveis:
- Comunhão parcial (padrão): comunica os bens adquiridos durante a união
- Comunhão universal: comunica todos os bens, mesmo os anteriores à união
- Separação total: cada um fica com o que é seu
- Participação final nos aquestos: separação durante a vida, divisão na morte/separação
Dica de ouro da advocacia especialista em inventário: sempre verificar se existe contrato de convivência registrado. Isso muda completamente o cálculo da meação e da herança.
Situações de Concorrência: Quem Herda o Quê
Companheiro + Filhos
Aplicando o artigo 1.829, I, o companheiro concorre em igualdade de quotas com os descendentes. Se o falecido tinha 3 filhos, a herança se divide em 4 partes iguais (1/4 para cada).
Alerta: se um filho já morreu mas deixou netos, estes representam o pai e dividem a quota dele entre si.
Companheiro + Pais/Avós
Na ausência de filhos, o companheiro fica com metade da herança, e os ascendentes (pais ou avós) com a outra metade.
Companheiro Sozinho
Se não existem descendentes nem ascendentes, o companheiro herda tudo. Os irmãos, tios e primos (que são chamados “colaterais”) ficam a ver navios.
Como Provar a União Estável no Inventário
Via Judicial
Se os herdeiros brigam sobre a existência da união estável, é preciso ação judicial específica (ação de reconhecimento de união estável). Pode-se pedir a suspensão do inventário até a definição sobre a união estável, para que não haja injustiças.
Provas mais comuns:
- Declaração de imposto de renda conjunta
- Conta bancária em comum
- Dependência em plano de saúde
- Fotos e testemunhas da vida em comum
- Escritura pública declaratória de união estável
- Contratos onde aparecem como casal
- Demonstração de coabitação;
- Prova testemunhal que demonstre os requisitos da união estável.
Dica da advocacia especialista em inventário: quanto mais provas documentais, melhor. Nunca abra mão de provas possíveis por ser mais “trabalhoso”, pois isso pode significar vida ou morte na ação judicial.
Via Extrajudicial (Cartório)
Não é possível fazer o reconhecimento de união estável pos mortem em cartório – e daí a importância de realizar a escritura de união estável em vida. Depois que um dos dois falece, só com ação judicial.
Mas o inventário em si, extrajudicialmente, é algo possível:
A Resolução CNJ 35/2007 permite inventário em cartório desde que:
- Todos os herdeiros sejam maiores, capazes e concordes
- Não exista testamento
- Haja prova suficiente da união estável
Hoje em dia, mesmo existindo testamento, é possível fazer os trâmites de registro e cumprimento judicialmente, e depois, com essa decisão, continuar pela via extrajudicial – como explico em meu artigo aqui.
Vantagem: mais rápido e barato Desvantagem: se alguém discordar depois, volta tudo para o judiciário
Direito Real de Habitação: A Casa é Sua
Mesmo com todas as mudanças, o companheiro não perdeu o direito real de habitação previsto na Lei 9.278/1996.
Como funciona: se o imóvel residencial era o único dessa natureza e servia de moradia do casal, o companheiro sobrevivente pode morar lá pelo resto da vida, desde que:
- Permaneça viúvo(a)
- Não constitua nova união estável ou casamento
É um direito vitalício e personalíssimo. Ninguém pode tirar.
Dívidas, Colação e Bens Sonegados: Os “Pepinos” do Inventário
Dívidas
O companheiro, como qualquer herdeiro, responde pelas dívidas do falecido até o limite do que recebeu de herança. Se herdou R$ 100 mil e as dívidas são R$ 200 mil, paga só os R$ 100 mil.
Colação
Se o falecido deu dinheiro ou bens para o companheiro durante a vida (doação), esse valor deve voltar à herança para garantir igualdade entre todos os herdeiros necessários.
Sonegação
Esconder bens do espólio é crime. O companheiro que sonegar pode perder o direito à herança e ainda responder criminalmente.
Planejamento Sucessório: Blindando o Futuro
Testamento Inteligente
Uma advocacia especialista em inventário sempre recomenda testamento bem elaborado. O companheiro pode ser beneficiado com:
- A parte disponível (50% dos bens)
- Legados específicos (um imóvel, um carro, joias)
- Usufruto sobre bens que irão para os filhos
Instrumentos Alternativos
Seguro de vida: não entra no inventário, vai direto para o beneficiário Previdência privada.
PGBL e VGBL para aposentadoria, também pode ter beneficiários em caso de falecimento, e assim não entra em inventário.
O Roteiro Prático para Não Errar
Quando um companheiro morre, este é o passo a passo:
- Documentação completa: certidão de óbito, RG, CPF, comprovantes da união estável
- Ação de reconhecimento de união estável – se não há qualquer documento assinado confirmando a união estável entre companheiros
- Inventário dos bens: separe o que é meação do que é herança
- Definição da via: judicial (se há conflito) ou extrajudicial (se há consenso)
- Cálculo das quotas: aplique o artigo 1.829 do Código Civil
- Direito de habitação: verifique se é aplicável
- Planejamento futuro: proteja o companheiro sobrevivente
Links Úteis para Aprofundamento
Para entender melhor sobre inventários em geral, recomendo a leitura do nosso artigo sobre procedimentos de inventário.
Também vale consultar o portal do STF para acompanhar a jurisprudência mais recente sobre o tema.
Para questões específicas sobre regime de bens, o site do CNJ tem resoluções atualizadas sobre inventários extrajudiciais.
Conclusão: A Nova Era dos Direitos do Companheiro
Depois de décadas apanhando do sistema jurídico, os companheiros finalmente conquistaram seu lugar ao sol. Hoje, graças à decisão histórica do STF e ao trabalho incansável da advocacia especialista em inventário, quem vive em união estável tem praticamente os mesmos direitos de quem é casado no papel.
O companheiro de hoje:
- Concorre em igualdade com filhos e pais na herança
- É reconhecido como herdeiro necessário (direito a 50% dos bens)
- Mantém sua meação, direito de habitação e proteção da legítima
- Deve ser incluído em qualquer inventário, sob pena de nulidade do processo
A moral da história: união estável não é “casamento de segunda classe”. É família reconhecida pela Constituição e protegida pelo Supremo Tribunal Federal.
Se você vive em união estável, não deixe para amanhã o que pode planejar hoje. Procure uma advocacia especialista em inventário, faça um testamento inteligente, organize sua documentação e garanta que seu companheiro tenha todos os direitos que a lei garante.
Afinal, depois de uma vida construída a dois, nada mais justo que a proteção legal seja igual para todos os tipos de família. É isso que a Constituição determina, é isso que os tribunais aplicam, e é isso que uma advocacia especialista em inventário competente deve garantir.
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