Nesse artigo iremos explicar o que é um acordo de acionistas, e as funções das cláusulas “vesting” e “cliff” no contexto de sua startup

As startups são seres corporativos que se regem por algumas regras peculiares, e isso acontece porque seus processos de formação são diferentes. Normalmente o time se forma a partir de uma ideia, que em seu desenvolvimento vai agrupando pessoas com talentos e formações diversas, todos colaborando para uma finalidade comum: o sucesso do projeto. Esses esforços não são recompensados apenas em forma de salários, mas também por por percentuais da companhia criada – se a coisa realmente der certo.

Por isso os contratos que se fazem por esse modo de não dizem respeito à área trabalhista, mas ao Direito Civil – mais especificamente aos Direitos das Obrigações. Contudo, as disposições que fazem parte desses contratos é bem diferente daquelas normalmente realizadas entre empresas. Vamos falar um pouco sobre elas.

O que é um Acordo de Acionistas no mundo das Startups?

Quando você começa uma nova aventura empresarial em grupo, é preciso estipular como será realizada essa parceria e quais serão as recompensas de cada um. Se o acordo envolver a remuneração pelo trabalho com as ações da nova empresa a ser criada, o caminho para a maioria dos casos é realizar logo no início o chamado “Acordo de Acionistas” (também conhecido como “acordo de quotistas”).

O relacionamento entre sócios acionistas é como um casamento, com altos e baixos, alegrias e tristezas. A verdade é que as pessoas têm personalidades diferentes, talentos diferentes e defeitos diferentes. E não é só: seres humanos também mudam de ideia e de situação. A realização de um Acordo de Acionistas tem o objetivo de minimizar os efeitos dessa montanha russa, preservando o investimento e a continuidade da empresa.

Um Acordo de Acionistas, portanto, é um contrato privado entre os acionistas da empresa, que pode regular uma série de coisas: quando cada acionista obtém suas ações (por meio de um cronograma de aquisição ou Vesting); se existe um período de carência antes de qualquer ação ser adquirida (cliff) e o que acontece se um dos acionistas não cumprir aquilo com que se comprometera. Este acordo também pode vir a regular outros aspectos específicos, como situações em que apenas um dos acionistas se recusa a vender ou diluir suas ações para um investidor aprovado pelos demais (cláusulas ‘tag-along’ and ‘drag-along’). Também podem prever o direito de preferência de um dos sócios em relação ao outro, em caso de venda sua quota de ações.

Outro aspecto importante do Acordo de Acionistas é o poder de vincular participações acionárias a determinada função ou tarefa, de modo que se esse acionista decidir não mais realizar o trabalho indicado, ele será obrigado a vender suas ações.

Também poderá haver a inclusão de mecanismos que alterem o valor real da ação do sócio retirante em função das circunstâncias pela qual ele se desliga da empresa. Assim, se o acionista que sai é um “bad leaver”, por exemplo (ou seja, se ele sai em más circunstâncias), poderá ficar determinado que ele receberá apenas o preço nominal por suas ações.

Outro aspecto para se ter em mente é que o acordo de acionistas é peça fundamental para fisgar o investidor de seus sonhos. Quem investe quer ter a garantia de que o dinheiro está sendo bem aplicado, e parte disso passa pelas regras de relacionamento dos sócios. Portanto, se você quer melhorar suas chances de chegar lá, é preciso conversar com um advogado que entenda do assunto e investir em um bom acordo de acionistas.

O que é uma programação de aquisição (“Vesting Schedule”)?

O conceito de programação de aquisição se originou nos EUA, mas tem sido também reconhecido no Brasil, como veremos mais adiante. Contudo, a única maneira de torná-lo realmente eficaz é fazendo constar do Acordo de acionistas.

Ter um Cronograma de aquisição significa que as ações não serão conferidas imediatamente a um acionista, mas obedecerão a um cronograma em que serão transferidas ao longo de um período de tempo (geralmente 4 anos). Dessa forma, se uma pessoa concorda em receber 50% das ações da empresa em 4 anos, mas decide sair após o sexto mês, ela teria direito a apenas 1/8 do total de 50% (6,25% da ações da empresa). Se a saída acontecer em um ano, teria ¼ dos 50% (12,5%) e se saísse após três anos, manteria 3/4 (37,5%).

Isso incentiva os co-fundadores a permanecer no negócio e minimiza o risco de uma “parceria”.

O que é uma cláusula “cliff”?

A cláusula “cliff” protege o mentor do projeto, ao mesmo tempo em que incentiva aquele que foi convidado a participar a dar o melhor de si. Adicionar um cliff significa que se este participante deve corresponder ao esperado, pois do contrário ele poderá sair do time de mãos abanando. Por exemplo, só o acordo for conceder 10% do negócio em 4 anos, com um cliff de um ano: saindo antes de completar um ano, ficará com zero; nos outros anos ficará com 2,5% das ações da empresa por ano completado, até atingir 10% no final dos 4 anos.

Acordos de acionistas com vesting e cliff valem no Brasil?

Tudo o que é novo no mundo do direito demora um pouco a se estabilizar, não se pode dizer que há ainda um caminho pavimentado e finalizado nessa matéria. Contudo, há sim decisões que consideram as cláusulas de vesting e cliff como válidas, afastando o reconhecimento de vínculo empregatício. Trata-se uma tendência verificável que, ao que tudo indica, irá direcionar decisões futuras.

Isso ocorre porque o Código Civil Brasileiro permite a contratação livre, desde que não haja agressão à Lei. O que não está proibido, está permitido.

Um caso interessante diz respeito à reclamação trabalhista ajuizada por um sócio fundador contra a Startup Singu (Tallis Gomes), da qual havia participado por um determinado período, tendo se retirado no período de Cliff. Inconformado por não ter recebido a participação societária, o reclamante pediu o reconhecimento do vínculo empregatício com a empresa e as verbas trabalhistas pelo tempo que ali permaneceu.

Houve um contrato MoU (Memorandum of Understanding) ou Memorando de Entendimentos, firmando o acordo de acionistas da futura empresa, no qual constavam a cláusula de vesting e cliff.

Diante disso, o Magistrado não reconheceu o vínculo trabalhista, entendendo que o reclamante foi sócio da startup e não seu empregado, mesmo não havendo a formalização no contrato social. O contrato de acionistas foi aceito em sua totalidade.

Portanto, isso VALE no Brasil e a tendência é que não haja mais discussões sobre a aplicabilidade de tais contratos em um futuro próximo.

Mario SolimeneAuthor posts

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Advogado formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FADUSP - Largo de São Francisco), turma de 1994, com especialização em Direito Privado e Processo Civil. Inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, São Paulo, sob o número 136.987. Pós graduado (Pg.Dip.) e Mestre (MMus) pela University of Manchester e Royal Northern College of Music, Reino Unido (2003-2006). Curso de Extensão em Direitos Humanos Internacionais sob supervisão de Laurence Helfer, J.D, Coursera, School of Law, Duke University, EUA (2015). Inscrito como colaborador da entidade Lawyers Without Borders (Advogados Sem Fronteiras) e membro da International Society of Family Law (Sociedade Internacional de Direito de Família). Tomou parte em projetos internacionais pela defesa da cidadania e Direitos Humanos na Inglaterra, Alemanha, Israel e Territórios da Palestina. Fluente em Inglês, Espanhol, Italiano e Alemão.

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