CASAMENTO HOMOAFETIVO: DIREITOS HUMANOS LGBT
Direitos Humanos LGBT
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) é um marco na história da humanidade, fruto do trauma indescritível dos horrores da Segunda Guerra Mundial. Essa carta estabelece uma série de Direitos básicos aplicáveis a TODAS as pessoas, sem qualquer restrição, e entre elas aqueles abordados pelos artigos 1, 2, 3, 5, 6, 7 e 16, que dizem respeito a:
- Igualdade;
- vedação de tratamento discriminatório;
- direito à vida, liberdade e segurança pessoal;
- vedação da tortura e do tratamento degradante;
- reconhecimento como pessoa perante a lei;
- igualdade perante a lei;
- direitos de casar e ter uma família
Mas se você é parte da comunidade LGBT+, sabe que a coisa não é bem assim. O que para todos os demais cidadãos é algo tido como certo, para o cidadão LGBT é resultado de uma conquista árdua que deve ser celebrada e defendida (constantemente) daqueles que insistem em tratar pessoas iguais de forma diferente.
O foco de nosso trabalho na advocacia é o Direito de Família LGBT, mas isso nem sempre foi algo aceito com naturalidade pelos nossos Tribunais. Trata-se de Direito Humano Fundamental que está contemplado não só pelo artigo 16 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas também pela nossa própria Constituição Federal. Confira:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
Vê-se que a própria Constituição excluía, em seu âmago, o tratamento de família para as células que não eram compostas por um homem e uma mulher, o que por si é uma violação aos Direitos Humanos do Cidadão LGBT. Tal direito veio a ser reconhecido apenas no ano de 2011, graças a uma luta incansável travada no Judiciário Brasileiro. As conquistas obtidas foram o resultado de um esforço enorme de advogados, entidades, sociedade civil e cidadãos que, unidos, conseguiram colocar fim à discriminação que sofria a Família LGBT no Brasil. Nisto incluem-se o direito ao casamento, à união estável, adoção, inseminação artificial, e outros aspectos importantes ao exercício da Cidadania, eliminando-se as restrições que digam respeito à orientação sexual, identidade e expressão de gênero. O reconhecimento da família LGBT é, portanto, mais um passo na defesa dos Direitos Humanos no Brasil.
Trabalhar com Direito de Família LGBT é defender os Direitos Humanos LGBT.
O casamento gay e a Proteção da Família LGBT: Breve Histórico do Casamento entre pessoas do mesmo sexo no Brasil
Como dito, até 2011 não havia previsão legal ou determinações administrativas que possibilitassem a realização do chamado casamentos igualitário. Isso causava a insegurança das relações familiares de homossexuais e transexuais, quando comparados aos direitos naturalmente obtidos por casais heterossexuais. Tal quadro começou a mudar com uma decisão histórica do Supremo Tribunal Federal, que equiparou os direitos e fez valer a idéia de que todos são realmente iguais perante a lei.
Mesmo diante de tal decisão, ainda havia resistência. Essa disparidade foi corrigida apenas em 2013, quando o Conselho Nacional de Justiça unificou o procedimento e baixou determinação para que todos os cartórios do Brasil viessem a efetuar casamentos homoafetivos. Em São Paulo isso se tornou realidade em 1o. de março de 2013, por intermédio de norma da Corregedoria Geral de Justiça.
Reconhecimento da União Estável Homoafetiva no Brasil
Foram duas as ações judiciais que obtiveram o reconhecimento do direito à união entre pessoas do mesmo sexo: a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 (iniciada como ADPF 178), e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132. Ambas foram julgadas conjuntamente em 04 de maio de 2011. A primeira (ADI 4277) buscava o reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar, pleiteando sua equiparação à união estável prevista no artigo 1.723 do Código Civil. Já na segunda (ADPF 132, intentada pelo Estado do Rio de Janeiro), sustentava-se que o não reconhecimento da união homoafetiva contrariava os princípios constitucionais da igualdade, da autonomia da vontade e dignidade da pessoa humana.
O relator do caso foi o ministro Ayres Britto, que entendeu que o artigo 3º, inciso IV, da CF veda qualquer discriminação em virtude de sexo, raça, cor e que ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de sua preferência sexual. A Família é um bem que deve ser protegido e representa um dos Direitos Humanos básicos que não pode ser negado ao cidadão LGBT+. “O sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica”. Os ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso, Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie acompanharam o relator. O resultado foi a procedência das ações, com efeito vinculante (ou seja, válido para qualquer discussão judicial existente, seja em andamento ou futura), para reconhecer a união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.
Pessoalmente, entendo bastante relevante o voto do Ministro Marco Aurélio, que pode ser encontrado na íntegra aqui (https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI4277MA.pdf). Há nele um trecho bastante revelador da realidade da situação do grupo LGBT no país, que considero particularmente revelador:
“Em 19 de agosto de 2007, em artigo intitulado ‘A igualdade é colorida’, publicado na Folha de São Paulo, destaquei o preconceito vivido pelos homossexuais. O índice de homicídios decorrentes da homofobia é revelador. Ao ressaltar a necessidade de atuação legislativa, disse, então, que são 18 milhões de cidadãos considerados de segunda categoria: pagam impostos, votam, sujeitam-se a normas legais, mas, ainda assim, são vítimas preferenciais de preconceitos, discriminações, insultos e chacotas, sem que lei específica a isso coíba. Em se tratando de homofobia, o Brasil ocupa o primeiro lugar, com mais de cem homicídios anuais cujas vítimas foram trucidadas apenas por serem homossexuais. No fecho do artigo fiz ver: felizmente, o aumento do número de pessoas envolvidas nas manifestações e nas organizações em prol da obtenção de visibilidade e, portanto, dos benefícios já conquistados pelos heterossexuais faz pressupor um quadro de maior compreensão no futuro. Mesmo a reboque dos países mais avançados, onde a união civil homossexual é reconhecida legalmente, o Brasil está vencendo a guerra desumana contra o preconceito, o que significa fortalecer o Estado Democrático de Direito, sem dúvida alguma, a maior prova de desenvolvimento social.”
O casamento Homoafetivo no Brasil
A legalização do Casamento entre pessoas do mesmo sexo foi uma consequência natural dessa decisão, pois aí se estabeleceu o marco histórico do reconhecimento da famíla LGBT+ no Direito Brasileiro. A partir de então seguiu um momento de incerteza no cumprimento do julgado, ao menos no que dizia respeito à possibilidade de celebração dos casamentos homoafetivos. Havia ainda uma grande resistência dos servidores de cartórios pelo país, em especial em face do posicionamento retrógrado ainda existente, seja na mentalidade do próprio Tabelião, seja de forma geral nas localidades em que estão inseridos. Apenas 11 estados passaram a adotar a regra de que podiam celebrar casamentos homoafetivos, enquanto os demais davam liberdade aos cartórios para decidirem por si sós.
Para se dirimir as dúvidas e forçar o cumprimento da decisão, foi editada a Resolução n. 175/2013 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na qual os cartórios de todo país foram instruídos a realizarem o casamento civil homoafetivo, sob pena de desobediência. Isso colocou ponto final à recusa que se observara nos dois anos havidos entre a decisão histórica do STF e a edição desta resolução. Tal medida provou-se eficiente e acabou com os movimentos contrários à implementação do casamento LGBT, já que até então muitos estados sequer se dignavam a confirmavam as uniões estáveis homoafetivas.
Divórcio e Separação e Partilha de Bens Homoafetiva
O próximo capítulo das inovações foi a abordagem dos aspectos relativos ao Divórcio e Separação dos casais LGBT. A princípio, tudo o que você gostaria de saber sobre divórcio e separação de casais homossexuais e transgêneros pode hoje ser encontrado na Legislação específica para casamentos tradicionais. A união homossexual passou finalmente a ser considerada uma entidade familiar legítima e protegida pelo Direito. Como já dito, esse entendimento foi sacramentado pelo Supremo Tribunal Federal, que estabeleceu que “a isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos somente ganharia plenitude de sentido se desembocasse no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família, constituída, em regra, com as mesmas notas factuais da visibilidade, continuidade e durabilidade (CF, art. 226, § 3º) , (ADI 4277-DF, relator Ministro Ayres Britto).
Desde que realizados de acordo com a forma prescrita em Lei, os efeitos do casamento homoafetivo e transafetivo serão os mesmos. Estamos finalmente integrando os casais LGBT ao mundo do Direito de Família.
Contudo, como a viabilização do casamento entre pessoas de mesmo sexo é algo recente, questões mais complexas irão surgir paulatinamente no decorrer dos próximos anos. É claro que o princípio básico é o do Direito de Família (e não do Direito Civil, como há bem pouco tempo), mas as peculiaridades do caso concreto serão diferentes. Isso abre um nova oportunidade de discussão que irá acabar por definir as reais dimensões da Familia Homoafetiva.
Havendo ou não um documento de união estável homoafetiva, é possível buscar a sua dissolução judicial e consequente partilha de bens. Tanto no casamento quanto nas escrituras de união estável é possível determinar qual será o regime de bens a vigorar entre as partes. Se não houver uma estipulação específica na celebração ou na assinatura da escritura (ou mesmo se não houver documento de união estável), o regime legal será o da comunhão parcial de bens. Nele, os bens anteriores ao início da união permanecerão como particulares, mas os que forem adquiridos posteriormente serão tidos como pertencente ao casal na proporção de 50% para cada um, independente do volume de contribuição financeira de um ou de outro.
Como advogados e operadores do direito, mantemos um olhar atento sobre a realidade que afeta os casais LGBT e estamos na vanguarda da lei nesta área. Lidamos com uma série de casos relativos a Direitos Homoafetivos que se enquadram na chamada “zona cinzenta da Legislação”, onde a aplicação de lei é embrionária. Contribuimos assim diretamente para a formação da Jurisprudência nesse campo do Direito Brasileiro.
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