No ano passado, 2.063 pessoas foram libertadas de condições de trabalho análogas à escravidão no Brasil. Destes, 1.068 trabalhavam em áreas metropolitanas, de acordo com o último relatório do Ministério do Trabalho e Emprego, que foi divulgado em meados de maio desse ano. A maioria das vítimas trabalhavam na indústria da construção civil.
“No início a maioria dos relatos [de trabalho escravo] vinham das áreas rurais”, lembra o investigador Alexandre Lyra, chefe da divisão MTE que trata de rastrear e erradicar o trabalho escravo.
“Nos últimos cinco anos, tem havido um enorme aumento no número de queixas nas grandes cidades.”
Durante o ano passado, 849 casos de trabalho escravo foram descobertos durante as inspeções de locais de construção. Na agricultura e na pecuária, 618 pessoas foram encontradas trabalhando em condições de escravidão. Outras 596 pessoas foram libertadas em setores diversos, incluindo a indústria têxtil.
A exploração da pobreza
O número de trabalhadores em regime de escravidão encontrados nas inspeções oficiais é apenas a ponta do iceberg da exploração da pobreza extrema. Segundo um comunicado de uma comissão de inquérito do Parlamento do Estado de São Paulo, é estimado que só na capital paulista haveriam cerca de 10.000 oficinas ilegais de costura, o que pode envolver em torno de 200.000 trabalhadores, muitos deles imigrantes da Bolívia.
Condições de trabalho análogas à escravidão têm sido parte da economia brasileira. Nas áreas rurais, os trabalhadores são explorados principalmente na fabricação de carvão vegetal, silvicultura, agricultura e pecuária. Nas cidades, operários da construção civil, trabalhadores têxteis e mulheres forçadas à prostituição estão entre as maiores vítimas de empregadores escravocratas. “Um mês atrás, foram libertadas 11 pessoas que trabalhavam em condições de escravidão em um navio de cruzeiro”, disse o investigador Lyra.
Desde 1995, o governo brasileiro tem tomado medidas contra a escravidão moderna. Controles mais rígidos e crescente pressão da opinião pública fazem com que o número de vítimas continue a diminuir (ver gráfico).
O estado de São Paulo é pioneiro na luta contra o trabalho escravo. Em 2013, a câmara estadual não adoptou um conjunto de regulamentações sem precedentes, no qual a empresa infratora perderá sua licença de funcionamento por 10 anos, caso fossem encontrados indícios de trabalho escravo em sua cadeia produtiva.
Louvor da ONU
“O Brasil é um exemplo bem sucedido do combate ao trabalho escravo; Ele tem mecanismos de controle fortes”, elogiou Luiz Antonio Machado da agência da ONU de trabalho da OIT. Machado coordena o programa nacional de combate ao trabalho forçado no Brasil. Ele acha que a imigração ilegal, em particular, é responsável pelo crescimento do trabalho escravo nas áreas metropolitanas.
A Igreja Católica também manifestou aprovação quanto às ações do Brasil contra o trabalho forçado. “O governo está fazendo esforços, mas os ganhos na luta contra o trabalho forçado são em primeiro lugar para os movimentos sociais”, disse Enemesio Lazzaris, bispo de Balsas, no estado do Maranhão e presidente da organização anti-escravidão da Comissão Pastoral da Terra (CPT). “As pessoas não estão desistindo. Eles exercem uma pressão permanente para garantir que o governo faça o seu trabalho.”
Mas apesar dos avanços, a luta contra a escravidão moderna no Brasil tem sido lenta. Especialistas acreditam que uma das maiores barreiras no processo é o sentimento de impunidade, uma vez que casos semelhantes podem levar mais de 10 anos para serem julgados. “O Poder Judiciário do Brasil funciona lentamente”, disse o coordenador da OIT Machado. “Qualquer um que não é punido depois de 10 anos, não tem nada a temer.”
Outros pontos fracos incluem a falta de informações de inteligência sobre as diferentes formas de trabalho forçado, bem como o atendimento às vítimas após sua libertação. “No Brasil, uma grande parte da população ainda é carente de educação e perspectivas para o futuro. Muitos acreditam que não têm outra escolha e se deixam enganar por falsas promessas”, disse o investigador Alexandre Lyra. Essa mentalidade não muda depois que os trabalhadores são libertados, acrescentou.
Mesmo no Congresso a luta contra o trabalho escravo esbarra em oposição política. Um projeto de lei que permitiria a expropriação das propriedades em que o trabalho escravo foi comprovada está aguardando aprovação por mais de 15 anos. “Os membros do parlamento que representam os grandes proprietários precisam de uma lição de catecismo”, disse o bispo Enemesio. “Eles atormentam o nosso país.” (Nota: Esse projeto acaba de ser promulgado pelo congresso: é a chamada emenda constitucional do trabalho escravo.)
Artigo publicado por Astrid Prange em Deutschewelle – DW.DE em 27 de março de 2014 http://www.dw.de/brazils-fight-against-slave-labor/a-17664728
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